A Revista Crônicas do Ensino Básico e o trabalho docente: sonhos, mudanças e realidade*

Hoje (20/06) é um dia especial. E especial por pelo menos dois motivos visto que, sendo professor de Física e participando desta mesa no Departamento de Geografia, algo tem que ser dito quanto da relação entre essas duas áreas da ciência – Física e Geografia.
Primeiramente é necessário notar que a mesa foi marcada para iniciar às 19:30h de 20/06/2016 e, coincidentemente ou não, às 19:34h tivemos um fenômeno astronômico e geográfico fantástico que é o Solstício de Inverno (aqui no hemisfério sul). Hoje foi nosso dia claro mais curto e estamos aqui presentes na noite mais longa do ano. Além disso, para a relação ficar mais apaixonante, hoje é noite de Lua Cheia. Esta é uma relação natural, via de regra, pois acontece sem a dependência do homem, apesar dos conceitos aqui implicados.
A outra relação entre essas áreas é uma relação necessariamente humana, que é a questão título da mesa: a Escola Pública, saberes e práticas docentes, visto que é na escola que o professor de Física e o professor de Geografia (somados aos outros), realizam igualmente suas tarefas diárias como assalariados, na produção de sua existência material. É para a qual estamos aqui, para falar sobre a Escola Pública e o fazer docente.
Nos últimos quatro anos tenho editado a Revista Crônicas do Ensino Básico (CdEB), e vou trazer um pouco do que tem sido essa experiência e o que tenho percebido em termos qualitativos e quantitativos.
A revista nasceu como um projeto local. A ideia inicial era de reunir em uma coletânea histórias, causos e situações experimentadas ou conhecidas por professores que trabalhavam comigo na Escola Estadual Prof. Osvaldo Catalano, no Tatuapé, cidade de São Paulo. Por algum acaso, parte significativa do corpo docente dessa escola gostava de narrar, com muito afinco, situações ocorridas em sala de aula, na rua, nos corredores, de tal modo que quando nos reuníamos fora da escola, no bar, num churrasco, numa festa, etc., uma quantidade enorme de relatos eram descritos e, portanto, começamos a elencar cada um deles, e eu fiquei com a função de organizar as histórias de cada um.
Nesse mesmo período eu fui trabalhar na FATEC (com ensino superior) e deixei o Ensino Médio de lado, o que motivou mais ainda a trabalhar na organização dessas histórias como uma forma de eu continuar presente naquele grupo ímpar de professores que, diga-se de passagem, não encontrei nas outras quatro escolas em que trabalhei.
Da lista com mais de 15 professores com cerca de 30 possíveis crônicas, histórias conhecidas do grupo, de amor, de brigas, de luta, de tragédia e de companheirismo, e que seriam reunidas em um livro, apenas 4 professores escreveram uma ou duas crônicas cada, num período de 8 meses de trocas de mensagens, telefonemas, encontros… ninguém escreve, todos pediam mais tempo, mais meses, para relatarem em uma página um causo já conhecido.
Desistindo do livro montamos a revista, com 8 crônicas por edição semestral (junho e dezembro), e que acaba de ter sua quinta edição publicada em meio eletrônico (www.cdeb.pro.br e www.facebook.com/revistacdeb) e impresso (via encomenda pelo site).
Numa visão quantitativa, o que conseguimos nessas edições:
i. Vinte (20) professores/as autores/as, dos quais doze (60 %) não faziam parte do grupo inicial, e oito (40%) profs. desconhecidos enviaram suas crônicas de forma espontânea, ou seja, a partir do conhecimento da publicação e da necessidade de relatarem algum causo (Desconhecidos são 7 agora, pois estou conhecendo a profa. Maristela Freitas nesta mesa);
ii. Quarenta (40) crônicas publicadas, sendo que dezesseis (16) versam sobre tragédias sociais, onde três (3) destes narram situações diretas de estupro, sete (7) narram relações entre autoritarismo e intervenções policiais e doze (12) falam sobre pobreza e luta de classes;
iii. Para além das tragédias sociais, encontramos dezenove (19) crônicas que descrevem situações de revolução, inovação ou transformação educacional por meio do diálogo, da luta, da participação, da atuação do estudante e do professor enquanto sujeitos;
iv. Outras crônicas versam sobre histórias de amor, histórias cômicas e situações curiosas.
Já sob o ponto de vista qualitativo, o que é possível perceber:
i. A prática docente, especialmente na escola pública, é regida pela relação entre sujeitos e, portanto, é recheada de cotidianas emoções, frustrações, alegrias e tristezas, o que distancia o fazer do professor do fazer de quase todas as outras profissões;
ii. Quando vivenciamos a escola e quando conversamos com colegas professores, identificamos infinitas histórias que facilmente se transformariam em crônicas literárias;
iii. A estrutura de trabalho do professor o distancia da literatura, da leitura e da escrita e, desse modo, gera um medo e uma vergonha do professor em escrever. Muitos professores adorariam escrever e, principalmente, serem lidos (pelos pares e pelos seus alunos), mas a classe está tão desvalorizada (ética e esteticamente, além de financeiramente) que a quantidade de trabalho braçal e a vergonha pela falta de leitura e escrita não permite a sua inserção no mundo literário;
iv. Professores leitores da Revista CdEB costumam elogiar o projeto e se reconhecer em cada causo, em cada história, mas em sua grande maioria como expectadores passivos, ainda que sonhadores de atividade.
Dessa forma, os textos recebidos para publicação demonstram que há uma necessidade urgente de mudanças educacionais, seja pela demonstração da tragédia social pelo autoritarismo e pelo espetáculo, seja pelos exemplos de transformação via relação dialógica, no olhar, no tratar, no conviver, mas especialmente na organização do trabalho, se é almejada uma educação democrática e a formação de cidadãos sujeitos (ativos) de sua formação e sua carreira.

*Apresentação na mesa de debate Geografia da/na Escola Pública: Práticas e Saberes docentes, no Departamento de Geografia da USP.

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